Bem vindo ao pedaço de realidade

domingo, 19 de janeiro de 2014

Sobre um ser lunar


Ela se sentia linda. Tirava inúmeras fotos de si mesma, mas sabia que mesmo em dias bons não se pode negar que calmarias vêm acompanhadas de momentos ruins. Ela percebia que estava chegando e não falava para ninguém. – É uma onda, depois passa. Não é a primeira, muito menos a ultima – afirmava a si mesma
Estava cada vez mais perto. Percebeu que a lua mudava. Uma alegria repentina, uma vontade de ficar junto, de abraçar, de chorar, de sentar e ver o sol se pondo em quanto olha as formigas voltando para o ‘ninho’. Ele adorava essa parte, se aproveitava e deveria mesmo afinal, depois só Deus sabe o que aconteceria. Ela estava entre a loucura e a normalidade e o sorriso não saia do rosto, por enquanto. – Que tem pra comer? Tô com fome – perguntava ela milhares de vezes por dia
A lua mudou e isso aumentava a tensão. Tudo irritava, nada permanecia inteiro ou intacto, o choro vinha, a raiva saia. Queria quebrar tudo e às vezes só sorria. As mordidas e os gritos eram inevitáveis, assim como as inúmeras lagrimas
 – Tá perto, né? - Perguntava ele
– O que? – Ela indagava prestes a matá-lo
– Você sabe...
– Já te disse que você é um porre...? Que tem pra comer? Tô com fome
A cada ciclo de lua, a paciência diminuía e os machucados ficavam mais profundos. Ela não ligava. Olhava para a lua e sentia a dor, ela se transformará numa fera doente. Ele sempre cuidava dela e agüentava cada mordida e pontapé intercalados com as mais sinceras declarações além das inúmeras perguntas e promessas que ela o obrigava a responder e prometer. Algumas vezes havia possíveis momentos de amor, em outros ciclos não. Mesmo assim ele ficava ao lado dela esperando qualquer sinal de ataque ou de trégua.
Ela sentia os seios fartos, o corpo cheio e as curvas bem formadas. Ele adorava não se importava com os outros detalhes. O fato de poder passear naquele corpo o curava e ajudava a ambos passarem por aqueles momentos.
–To com fome! Quero batata frita, pizza, pastel, lasanha! Meu Deus, lasanha!! – ela repetia impaciente.
– De novo?! Bora comprar – concordava ele, sabendo que aquilo ajudava.
A comida era uma das poucas coisas que a acalmava e cada dentada doía nele. Ela quase não mastigava e virava praticamente uma maquina de engolir.
– Você vai passar mal se comer tão rápido assim. Mastiga! – Alertava ele
– Enjoado!!
– Tô querendo cuidar de você, depois cê fica passando mal ae...
– Aham..! Enjoo! – falava ela todas as vezes, mesmo sabendo que era verdade.
Em casa, Ela tinha vontade de mutilar-se com as próprias unhas e não tinha medo de falar isso. Eram inúmeras pontadas na cabeça e mais umas dores tão intensas que chegava a afirmar que estava parindo. Em meio a isso ela ainda achava espaço para manhar e gritar. – Qualquer dia desses te esfolo vivo!! Ouviu? Na verdade. Acho que não te quero mais não. – falava, mesmo sabendo que aquilo ia doer depois. Pensava que aquele jogo de hormônios devia ser um castigo, o corpo dizendo algo como “ele não presta. Fez você passar por isso de novo. Larga ele e fica com um que não resista a nós e te faça ‘mulher’!”. Mesmo assim ela falava. Era dessas que não guardam nada dentro da cabeça e jogam tudo no ventilador.
Ela gostava dele, sabia que ele era um dos poucos que compreendiam aqueles momentos. Sabia que ele a entendia, não como ela desejava e exigia, porém compreendia. De vez em quando se importava e queria saber como ele reconhecia. Era incrível como ele havia percebido detalhes imperceptíveis a ela mesma, como não se importava com nenhum fluido e continuava a amando.
Ela sentia que estava passando. Que a fome já estava mais para doces, que a paciência pouca já havia voltado. A lua havia mudado. E já dava para ficar em paz. Pelo menos nas duas luas seguintes.
[...]
Ela se olhava no espelho e sentia-se linda. Tirava inúmeras fotos de si mesma... – É uma onda, depois passa. Não é a primeira, muito menos a ultima – afirmava a si mesma


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Desabafo XL


Gray, quiet and tired and mean
Picking at a worried seam
Itry to make you mad at me over the phone.
Red eyes and fire and signs
I'm taken by a nursery rhyme
I want to make a ray of sunshine and never leave home
No amount of coffee, no amount of crying
No amount of whiskey, no amount of wine
No, nothing else will do
I've gotta have you, I've gotta have you.
The road gets cold, there's no spring in the middle this year
I'm the new chicken clucking open hearts and ears
Oh, such a prima donna, sorry for myself
But green, it is also summer 
And I won't be warm till I'm lying in your arms
I see it all through a telescope: guitar, suitcase, and a warm coat
Lying in the back of the blue boat, humming a tune...

Gotta have you - The Weepies

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Desabafo XXXIX


Love of mine,
Won't you lay by my side,
And rest your weary eyes,
Before we're out of time,
Give me one last kiss,
For soon, such distance,
Will stretch between our lips,
Now the day's losing light.

Oh.
Bring me your love, tonight.
Bring me your love, tonight.

Lost at sea,
My heart beat is growing weak,
Hoping you'd hear my plea,
And come save my life,
As the storm grew fierce,
An angel was certainly near,
I knew there was nothing to fear.

Bring me your love, tonight.
Bring me your love, tonight.
No I am not where belong,
Bring me your love, tonight.

No I am not where I belong,
So shine a light and guide me home.
No I am not where I belong,
So shine a light, guide me back home.

Oh.


As Much As I Ever Could - City And Colour

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Desabafo XXXVIII


Somos Somente a fotografia.
Dois navegantes perdidos no cais
Distantes demais
Somos instantes, palavras, poesia
Dois delirantes ficando reais
Distantes demais
Noites de sol, loucos de amar,
Quem poderia nos alcançar.
Eu e você, sem perceber,
Fomos ficando iguais,
Longe,
Distantes demais


Distantes demais- Lenine

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Vídeo 2

Para morrer aos poucos.
Para morrer de amor
The Weepies - World Spins Madly On

sábado, 19 de janeiro de 2013

Vontade


Vontade de gritar
Chorar
Espernear
Ou talvez de parar,
Pensar,
E me acalmar.

Aline Acazoubelo

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Desabafo XXXVII

Hoje fui estuprada. Subiram em cima de mim, invadiram meu corpo e eu não pude fazer nada. Você não vai querer saber dos detalhes. Eu não quero lembrar dos detalhes. Ele parecia estar gostando e foi até o fim. Não precisou apontar uma arma para a minha cabeça. Eu já estava apavorada. Não precisou me esfolar ou esmurrar. A violência me atingiu por dentro.

A calcinha, em frangalhos no chão, só não ficou mais arrasada do que eu. Depois que ele terminou e foi embora, fiquei alguns minutos com a cara no chão, tentando me lembrar do rosto do agressor. Eu não sei o seu nome, não sei o que faz da vida. Mas eu sei quem me estuprou.

Quem me estuprou foi a pessoa que disse que quando uma mulher diz “não”, na verdade, está querendo dizer “sim”. Não porque esse sujeito, só por dizer isso, seja um estuprador em potencial. Não. Mas porque é esse tipo de pessoa que valida e reforça a ação do cara que abusou do meu corpo.

Então, quem me estuprou também foi o cara que assoviou para mim na rua. Aquele, que mesmo não me conhecendo, achava que tinha o direito de invadir o meu espaço. Quem me estuprou foi quem achou que, se eu estava sozinha na rua, na balada ou em qualquer outro lugar do planeta, é porque eu estava à disposição.

Quem me estuprou foram aqueles que passaram a acreditar que toda mulher, no fundo no fundo, alimenta a fantasia de ser estuprada. Foram aqueles que aprenderam com os filmes pornô que o sexo dá mais tesão quando é degradante pra mulher. Quando ela está claramente sofrendo e sendo humilhada. Quando é feito à força.

Quem me estuprou foi o cara que disse que alguns estupradores merecem um abraço. Foi o comediante que fez graça com mulheres sendo assediadas no transporte público. Foi todo mundo que riu dessa piada. Foi todo mundo que defendeu o direito de fazer piadas sobre esse momento de puro horror.

Quem me estuprou foram as propagandas que disseram que é ok uma mulher ser agarrada e ter a roupa arrancada sem o consentimento dela. Quem me estuprou foram as propagandas que repetidas vezes insinuaram que mulher é mercadoria. Que pode ser consumida e abusada. Que existe somente para satisfazer o apetite sexual do público-alvo.

Quem me estuprou foi o padre que disse que, se isso aconteceu, foi porque eu consenti. Foi também o padre que disse que um estuprador até pode ser perdoado, mas uma mulher que aborta não. Quem me estuprou foi a igreja, que durante séculos se empenhou a me reduzir, a me submeter, a me calar.

Quem me estuprou foram aquelas pessoas que, mesmo depois do ocorrido, insistem que a culpada sou eu. Que eu pedi para isso acontecer. Que eu estava querendo. Que minha roupa era curta demais. Que eu bebi demais. Que eu sou uma vadia.

Ainda sou capaz de sentir o cheiro nauseante do meu agressor. Está por toda parte. E e então eu percebo que, mesmo se esse cara não existisse, mesmo se ele nunca tivesse cruzado o meu caminho, eu não estaria a salvo de ter sido destroçada e de ter tido a vagina arrebentada. Porque não foi só aquele cara que me estuprou. Foi uma cultura inteira.

Esse texto é fictício. Eu não fui estuprada hoje. Mas certamente outras mulheres foram.


http://www.alinevalek.com.br/blog/2012/09/quem-me-estuprou/