Hoje fui estuprada. Subiram em cima de mim,
invadiram meu corpo e eu não pude fazer nada. Você não vai querer saber dos
detalhes. Eu não quero lembrar dos detalhes. Ele parecia estar gostando e foi
até o fim. Não precisou apontar uma arma para a minha cabeça. Eu já estava apavorada.
Não precisou me esfolar ou esmurrar. A violência me atingiu por dentro.
A calcinha, em frangalhos no chão, só não ficou mais
arrasada do que eu. Depois que ele terminou e foi embora, fiquei alguns minutos
com a cara no chão, tentando me lembrar do rosto do agressor. Eu não sei o seu
nome, não sei o que faz da vida. Mas eu sei quem me estuprou.
Quem me estuprou foi a pessoa que disse que quando
uma mulher diz “não”, na verdade, está querendo dizer “sim”. Não porque esse
sujeito, só por dizer isso, seja um estuprador em potencial. Não. Mas porque é
esse tipo de pessoa que valida e reforça a ação do cara que abusou do meu
corpo.
Então, quem me estuprou também foi o cara que
assoviou para mim na rua. Aquele, que mesmo não me conhecendo, achava que tinha
o direito de invadir o meu espaço. Quem me estuprou foi quem achou que, se eu
estava sozinha na rua, na balada ou em qualquer outro lugar do planeta, é
porque eu estava à disposição.
Quem me estuprou foram aqueles que passaram a
acreditar que toda mulher, no fundo no fundo, alimenta a fantasia de ser
estuprada. Foram aqueles que aprenderam com os filmes pornô que o sexo dá mais
tesão quando é degradante pra mulher. Quando ela está claramente sofrendo e
sendo humilhada. Quando é feito à força.
Quem me estuprou foi o cara que disse que alguns
estupradores merecem um abraço. Foi o comediante que fez graça com mulheres
sendo assediadas no transporte público. Foi todo mundo que riu dessa piada. Foi
todo mundo que defendeu o direito de fazer piadas sobre esse momento de puro
horror.
Quem me estuprou foram as propagandas que disseram
que é ok uma mulher ser agarrada e ter a roupa arrancada sem o consentimento
dela. Quem me estuprou foram as propagandas que repetidas vezes insinuaram que
mulher é mercadoria. Que pode ser consumida e abusada. Que existe somente para
satisfazer o apetite sexual do público-alvo.
Quem me estuprou foi o padre que disse que, se isso
aconteceu, foi porque eu consenti. Foi também o padre que disse que um
estuprador até pode ser perdoado, mas uma mulher que aborta não. Quem me
estuprou foi a igreja, que durante séculos se empenhou a me reduzir, a me
submeter, a me calar.
Quem me estuprou foram aquelas pessoas que, mesmo
depois do ocorrido, insistem que a culpada sou eu. Que eu pedi para isso
acontecer. Que eu estava querendo. Que minha roupa era curta demais. Que eu
bebi demais. Que eu sou uma vadia.
Ainda sou capaz de sentir o cheiro nauseante do meu
agressor. Está por toda parte. E e então eu percebo que, mesmo se esse cara não
existisse, mesmo se ele nunca tivesse cruzado o meu caminho, eu não estaria a
salvo de ter sido destroçada e de ter tido a vagina arrebentada. Porque não foi
só aquele cara que me estuprou. Foi uma cultura inteira.
Esse texto é fictício. Eu não fui estuprada hoje.
Mas certamente outras mulheres foram.
http://www.alinevalek.com.br/blog/2012/09/quem-me-estuprou/