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sábado, 14 de janeiro de 2012

O ultimo


[...] A gente se conheceu por ai. Numa fila, numa praça, na escola... Ou talvez tenha sido antes. Talvez nos meus sonhos, na infância... Quem sabe seja uma coisa de outras vidas, sabe? Enfim. Eu sei que vivi anos maravilhosos. Ele era perfeito! Era lindo!! Não era um deus grego, é verdade, mas era meu e me amava muito. Muito mesmo. Eu sentia isso, sabe? Como se o amor fosse maior e mais forte que nós dois juntos. Mas... Por algum motivo não deu certo. Não me lembro por que...
Seu toque era tão bom. Meu Deus ele era maravilhoso demais...
O tempo passou e eu me casei. Casei com aquele ser horroroso. Não me leve a mal. No começo ele era ate... Tolerável?! Será essa a palavra?
Mas meu marido nunca conseguiu fazer comigo o que ele fazia... O seu toque era diferente demais. Talvez eu nem devesse comparar!
Toda vez que ele encostava em mim eu sentia uma angustia, uma náusea... Talvez fosse nojo. Nojo de mim!! Por que eu continuava com aquilo?
Para diminuir a tristeza comecei a imaginar... A trocar as personagens, sabe? Quando meu marido vinha, eu logo imaginava... Imaginava ele! Lembrava do toque e... Meu Deus, eu conseguia sentir seu toque e aquele ser asqueroso se transformava, em partes, no homem mais maravilhoso do universo. Acho que foi por isso que aguentei tanto tempo.
Um dia eu acordei e prometi a mim a felicidade. Eu ia procurá-lo. Nem que fosse pra vê-lo com sua família, ou doente, ou ate morto. Não importava como estivesse eu tinha que vê-lo!
Meu marido seguiu a rotina e foi para o trabalho, e eu? Eu fui à procura. Incrivelmente não demorei pra encontrá-lo... O tempo havia passado, mas ele continuava lindo. Estava na fila de uma lanchonete, eu acho.
Cheguei perto e disse a única coisa que me veio à cabeça durante a tarde toda. Um simples “oi”. Ele me olhou e riu, mas não, ele não zombava de mim. Ele ria porque me conhecia e sabia o motivo deu estar ali. Então ele me abraçou e me beijou. Nossa. Nessa hora eu quase morri. Eu não imaginava sentir aquilo de novo. Aquela sensação maravilhosa de que o mundo é perfeito... Só ele conseguia que eu me sentisse tão bem.
Saímos de lá abraçados. Como se nunca tivéssemos nos separado. Era como se o tempo tivesse voltado e eu fosse uma adolescente de novo. Eu ainda amava aquele homem!
Ele me levou ate seu apartamento e me tocou... Eu me lembrava todos os dias daquele toque, mas senti-lo de novo foi quase uma redenção, uma remição, sabe? Ele me tocou como só ele sabia fazer. Eu ainda estava tremula e muda, mas ele estava gelado e eu sabia exatamente o que isso significava. Foi ele mesmo quem me despiu e com todo cuidado me colocou na cama.
Ele me tratava como um objeto raro e frágil e era isso que o diferenciava dos outros. Meu marido era grosseiro. Geralmente me jogava e fazia tudo ser dolorido. Ele não. Ele sabia como fazer pra tudo ser maravilhoso.
Nossos corpos se encontraram num sincronismo perfeito e uma vez não foi suficiente. Lembro-me de deitarmos exaustos, do abraço suado e do beijo. Eu adormeci sentindo aqueles lábios e aquele corpo.
Encontramos-nos muitas vezes mais. Logo que meu marido saia eu ia ao encontro da vida. Eles trabalhavam em turnos opostos e isso facilitava muito, mas eu não ia aguentaria aquela vida dupla por muito mais tempo.
Eu estava decidida a largar tudo e viver com ele. Não tinha filhos e minha reputação pouco me importava. Eu só queria ser dele. Pertencer a ele. Só a ele!
Foi quando eu recebi a noticia. Ele havia morrido... E eu havia perdido o homem da minha vida. Pra sempre!! O único que eu amei de verdade...
Fui ao enterro sozinha e fiquei afastada para que não percebessem meu estado desolador. Minha vontade era me jogar e junto a seu corpo ser enterrada, mas algo me parou. Senti um enjôo e depois uma mão em minha cintura. Era ele. Não sei como aquilo foi possível, mas sim, era ele. Ele me abraçava por trás e segurava minha barriga, acariciando-a. O enjôo sumiu e ele me disse: Não faça isso. Fique aqui e cuide do nosso filho. Ele será um menino lindo. Eu te amo.
Foi a ultima vez que ouvi sua voz... E ele estava certo. Eu estava grávida. Meu marido tinha me tocado algumas vezes naquele período então mentir não seria tão difícil. É claro que o menino não merecia ser enganado e ter aquilo como pai, mas iriam me jogar na rua e eu não tinha emprego... Levo a mentira comigo ate hoje. O menino nunca soube de nada. Nem meu marido, eu acho...
Eu criei o menino praticamente sozinha, pois o salário era pouco e para melhorar nossa vida meu marido arranjou mais serviço. Ele só parava para dormir. Talvez por isso eu não tenha me separado dele. É... Acho que foi por isso mesmo, mas eu nunca esqueci o meu homem ou seu toque, mesmo depois de anos de sua morte. Ate hoje eu sinto suas mãos em meu corpo...
Hoje meu filho é um homem feito e meu marido já foi faz algum tempo
Sabe?! Eu ainda tenho a foto que ele tirou depois da nossa primeira vez. Eu nunca vou me esquecer daquele dia maravilhoso. Era meu aniversario e ele me levou para um hotel de frente pro mar. A lua cheia estava linda e sua luz sobre aquele corpo era uma coisa divina. As velas... Eu adorava aquela imagem e ele sabia disso. Foi mágico! Acho que nunca vou conseguir descrever o quanto foi maravilhoso...
Adoro quando ele toca minha cintura... Digo “toca” porque ele ainda esta comigo. Bem aqui do meu lado desde que você chegou. Ele ta me esperando pra dormir, mas antes vai me ajudar no banho. Sabe como é, né? Com a idade tudo fica mais difícil... Eu sinto que esse vai ser o ultimo. Não sei como, mas eu sinto. Ele ta inquieto demais. Não importa, pois eu confio nele. Acho esta na hora mesmo...
Se você quiser a foto ta ali naquela gaveta. Pode ficar com ela. Já meu filho chega... Se quiser pode esperar. Eu já vou indo. Boa noite
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Laura lê a noticia varias vezes não acreditando. Ela esteve lá ontem. Como é possível? Ela não estava brincando então? Aquela historia não era um desvario? Sim, era verdade. Aquela simples senhora estava finalmente em paz consigo mesma. Finalmente ela ia encontrá-lo de novo e ser sua para todo o sempre.
As palavras repetiam em sua cabeça: “Sinto que vai ser o ultimo” O ultimo... O ultimo banho.
Sim, ela morreu feliz. Podia afirmar isso com clareza. Ele a levou.


Aline Acazoubelo

2 comentários:

  1. que bonito =D
    eu n acho que poderia produzir algo tão singelo, ou completamente humano
    acho que... o charme da história é que ela acontece o tempo todo.
    é um daqueles fatos que nunca entram para a história, nunca são documentados nos jornais
    só uma senhora morrendo, levando consigo um amor de uma vida toda, quem sabe partindo para vê-lo num plano mais significativo
    gostei
    :)

    p.s.: no título tem o "ulimo" rsrs

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  2. Obrigada, Matheus. Que bom que você gostou #chorei
    p.s vou arrumar. Obrigada pela dica ;)

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